quinta-feira, 16 de abril de 2009



'Um tiro, dois mortos'


A nova moda em Israel



Por Lejeune Mirhan



Já deveria ter tratado deste assunto em colunas anteriores, mas outros temas me ocuparam. O mundo tem assistido, ainda impassível, à divulgação de uma nova onda fashion adotada em especial por soldados israelenses. Camisetas de vários tipos, com imagens discriminadoras e agressivas contra palestinos, mulheres e crianças, provam o racismo e a discriminação existentes na sociedade degenerada que se tornou Israel.


Na semana que iniciou em 23 de março, o maior jornal – e muito respeitado inclusive – de Israel, o Haaretz estampou manchete que estarreceu boa parte do mundo: uma nova moda está fervendo entre soldados do exército de Israel. Trata-se de usar camisetas com dizeres discriminadores e agressivos contra os palestinos, um povo dominado e agredido desde o início do século 20, pelo menos.


Ainda que não seja uma orientação oficial do exército e das forças armadas, a notícia menciona o fato que a maioria dos oficiais não só autoriza o uso como estimula que seus soldados adquiram essas camisetas. Uma confecção próxima da cidade de Tel Aviv informa que não estava vencendo a produção dessas camisetas.


As estampas variam nas camisetas, todas coloridas, algumas usando fotos e outras usando desenhos e ilustrações. A que mais chocou o mundo é a que diz “Um tiro, dois mortos”. O desenho é uma palestina grávida na mira de um fuzil israelense. Ou seja, com apenas um disparo, o soldado mataria de uma só vez dois palestinos. Essa camiseta surgiu no batalhão Shaked da Brigada Givati.


Mas, existem outros tipos de estamparia. Também chocam as camisetas com fotos de crianças palestinas mortas, mulheres palestinas chorando em túmulos de seus parentes e uma delas mostra um soldado israelense jogando uma bomba em uma mesquita. A camiseta com a criança morta aparece próxima à sua mãe e ao seu lado um ursinho de pelúcia. Cenas macabras que viram moda em peitos de jovens israelenses.


Num curso de franco atiradores do exército, há uma camiseta singela. Mostra um bebê palestino, depois um jovem combativo e depois um adulto armando e em seguida a frase: “Não importa como começa, nós colocaremos um fim nisso”. Um batalhão chamado Lavi, de treinamento de jovens soldados, há uma camiseta de apelo sexual. Uma delas mostra um desenho de uma jovem palestina, machucada, ferida, com a frase: “aposto que te violaram!”.


Uma camiseta que chegou a ser muito comum em anos anteriores, mas foi proibido pelo exército é a que diz “Não nos tranqüilizaremos enquanto não tivermos confirmado o morto”, ou como quem diz, mesmo depois de ferido, um palestino combatente da resistência deve ser assassinado mesmo que já imobilizado. Mesmo proibidas, essas camisetas são usadas por soldados do batalhão Haruv. Outra diz assim: “Que toda mãe árabe saiba que a vida de seu filho está em minhas mãos”, mostrando a foto de um soldado israelense apontando seu fuzil para um jovem ou criança palestina. Essa foi impressa às centenas, ainda que também tenha sido oficialmente proibida.


Essas camisetas são preparadas ao término de cada curso do exército de Israel, seja de novos soldados, da infantaria ou de franco atiradores, que são considerados a elite dos soldados pois possuem um “rendimento” elevado em termos de mortes de soldados inimigos. No caso, os inimigos são o povo palestino. Cada nova turma cria um novo desenho, uma nova estamparia. Os oficiais superiores dessas turmas fazem com que os cadetes e soldados em preparação as usem para que possam ir se familiarizando com suas condutas futuras, matar indiscriminadamente palestinos. É como se esse processo fosse parte de uma lavagem cerebral. No entanto, a grande maioria dos soldados israelenses usa essas camisetas com o maior orgulho.


Porque isso ocorre?


Camiseta como essa não é causa, mas sim consequência de um problema maior, de fundo. A base da sociedade e do Estado de Israel é profundamente racista, discriminadora. Aqui usamos o termo “racista”, como é empregado de forma usual no movimento negro, no Brasil e no mundo, mais como sinônimo de discriminador. Nada tem a ver com raça, pois reconhecemos apenas uma raça na terra, que é a humana.


Israel é um Estado judeu. Essa é a sua essência e não importa qual governo, seja de extrema direita ou dito de esquerda ou social-democrata, ele será sempre judeu. Assim, essas camisetas amplamente vendidas, de forma legal, em lojas da moda e usadas com orgulho pela maioria dos soldados, é parte de um fenômeno que tem na sua origem uma concepção de criação de um estado que nega a existência de um povo, que é o palestino, habitante da Palestina há milhares de anos. Essa é a essência do sionismo político.


Há muitos anos um documento da Organização Internacional do Trabalho – OIT, organismo do Sistema das Nações Unidas e muito respeitado em todo o mundo pelos seus estudos e pesquisas, publicou um trabalho mencionando as diferenças salariais existentes entre trabalhadores judeus e palestinos que moram em Israel. Tais diferenças ultrapassavam, em alguns casos, a 50%, ou seja, um trabalhador palestino ganha apenas metade do que ganha um trabalhador judeu para as mesmas funções. Mas, aqui ocorre uma segunda discriminação. Os trabalhos reservados aos palestinos são de segunda categoria, para funções e profissões de menor remuneração (pedreiros, faxineiros entre outras). Mas se não bastasse ganhar menos, muitas vezes os palestinos nem sequer conseguem chegar aos seus locais de trabalho, tamanhas são as exigências de locomoção, passar pelos chamados check points existentes às centenas por todo Israel. Para entrar no trabalho às 8h, um palestino deve sair de casa pelo menos quatro horas antes e mesma coisa para retornar. Uma verdadeiro martírio.


Por fim, não poderia deixar de mencionar uma das maiores provas que o Estado de Israel é um estado que discrimina pessoas. Trata-se da forma como as carteiras de identidades são confeccionadas e expedidas. Em todo os países do mundo, uma carteira emitida por um estado informa dados básicos de uma pessoa como, nome completo, filiação, data e local de nascimento e onde ela foi expedida. Pouca coisa mais do que isso. Em Israel, as carteiras teem uma informação adicional, que é vital para que uma pessoa seja tratada como cidadão ou como pessoa de segunda classe que é a informação sobre a religião ou etnia. Assim, se a pessoa se declarar “judeu” (e isso tem que ser provado até a quarta geração ascendente), ela terá todos os direitos básicos. Mas, se declarar-se muçulmano, cristão, ou árabe, será sempre considerado cidadão de segunda categoria.


Lamentável que isso ocorra, e aos olhos de todo o mundo, que nada faz.

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Lejeune Mirhan, Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Escritor, Arabista e Professor Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa, Membro da International Sociological

Um comentário:

M.Teles. disse...

Olá caro conterrâneo!seu Blog é muito legal!
Marcelo Teles.
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